Palestina Livre #2: Resistência orgânica, não-violenta e sustentável
Mais um artigo sobre o voluntariado na Palestina saindo do forno, desta vez com o assunto que eu considero o mais importante a respeito deste trabalho: a forma encontrada pelo Hostel in Ramallah para lutar contra a colonização israelense e manter a terra nas mãos do seu povo.
Antes disso, porém, vou me arriscar a fazer algo praticamente impossível: resumir milênios de história em alguns parágrafos - uma história controversa e que, em diversos momentos, apresenta interpretações completamente diferentes para os mesmos fatos.
Tenha em mente que se trata de um relato bastante condensado e feito por um brasileiro que esteve duas vezes na Palestina e não gastou mais do que dois dias em Israel - como vocês verão a seguir, isso faz toda a diferença.
As origens dos conflitos
A região compreendida entre Israel e Palestina é um pequeno pedaço de terra que vai do leste do Mar Mediterrâneo até o Rio Jordão, tendo como vizinhos o Egito, a Jordânia, o Líbano e a Síria. Quando eu digo pequeno, não estou brincando: somados, Israel e Palestina têm uma área inferior a Alagoas, o segundo menor estado brasileiro.
Tribos judaicas que viviam na região nos tempos bíblicos foram expulsas pelo Império Romano.
No século V, a Palestina foi tomada pelo império árabe islâmico, instaurando o Islã como religião dominante. Quase mil anos depois, o império turco-otomano assumiu o controle.
Com a derrota dos turcos, aliados dos alemães na Primeira Guerra Mundial, início do século XX, a Palestina passou a ser um protetorado britânico.
Enquanto isso, os judeus continuaram sendo perseguidos ao redor do mundo.
No século XIX, surgiu o movimento sionista, com o objetivo de retornar à “terra prometida”, a Palestina, para fundar um Estado judaico.
Com o apoio de sua comunidade mundial, colônias judaicas começaram a ser formadas na Palestina, até então convivendo pacificamente com os árabes cristãos e muçulmanos.
O fluxo intensificou-se e, após o mundo sensibilizar-se com os horrores do Holocausto na Segunda Guerra Mundial e ser dominado por um sentimento de culpa generalizado, a opinião pública passou a apoiar a imigração judaica rumo à Palestina.
Em 1947, dois anos após a Segunda Guerra, a ONU decidiu partilhar o território palestino entre judeus e árabes.
No ano seguinte, foi proclamada a fundação do Estado de Israel, o que inflamou os ânimos dos demais países da região.
Seguiram-se diversos ataques contra a recém-fundada nação judaica. Todas as guerras, no entanto, foram vencidas por Israel que, a cada batalha, expandia seu território além das fronteiras estabelecidas pela ONU e, consequentemente, gerava o deslocamento de diversos palestinos, que se refugiavam nos países vizinhos.
Nos anos 70, Israel deu início à sua política de assentamentos dentro do território palestino, intensificando o processo de colonização.
Enquanto isso, do outro lado, foi fundada a Organização pela Libertação da Palestina, liderada por Yasser Arafat.
Desde então, Israel vem sendo condenado pela comunidade internacional pelos recorrentes crimes de guerra e violações contra direitos humanos, porém, contando sempre com o apoio incondicional dos EUA para vetar sanções contra o Estado judaico na ONU. Logo, nenhuma ação efetiva é tomada contra o governo israelense.
Em 1993, em Oslo, uma reunião liderada pelo presidente norte americano Bill Clinton resultou em uma solução de dois estados entre Israel e Palestina.
Os territórios palestinos dividem-se entre a Cisjordânia (entre Israel e a margem do Rio Jordão) e a Faixa de Gaza (pequena área a sudoeste de Israel, na fronteira com o Egito e com saída para o Mar Mediterrâneo).
A primeira é controlada pelo Fatah, grupo laico e moderado, enquanto Gaza fica nas mãos do Hamas, partido extremista e que não reconhecia a existência de Israel, sendo classificado como grupo terrorista pelo governo judaico.
Nos anos 2000 começou a ser construído o muro entre Israel e a Cisjordânia - a construção desrespeita os acordos de divisão do território e, apesar da alegação israelense de que sua instalação se deve a razões de segurança, existem evidências de que o Estado judeu na verdade busca garantir para si os recursos naturais da região, em especial a água.
Ao mesmo tempo, as tensões entre o Hamas e Israel aumentaram. Foguetes partiam da faixa de Gaza, enquanto o exército israelense promovia pesados ataques à região, que foi destruída e sitiada.
Apenas a entrada de uma pequena quantidade de alimentos e recursos médicos são permitidos; todo o resto, incluindo materiais de construção que seriam utilizados para reerguer o lugar, continuam proibidos. Até mesmo a saída marítima foi severamente controlada por Israel.
Atualmente, enquanto os palestinos da Faixa de Gaza definham por conta da falta dos recursos mais básicos para sobrevivência, ironicamente em condições semelhantes às dos campos de concentração nazistas, aqueles que vivem na Cisjordânia encontram-se em verdadeira situação de apartheid: discriminados, com restrição de deslocamento e perdendo cada vez mais terras para os assentamentos israelenses.
Isso sem falar na imensa comunidade refugiada nos países vizinhos, impedida de retornar para seu país já há três ou quatro gerações.
Irmãos pela Palestina
Chris e Bubu Alami são dois irmãos e empreendedores palestinos, nascidos em Jerusalém e que vivem em Ramallah. Apesar da possibilidade de viver em diversos outros lugares do mundo - os dois já residiram na América e, enquanto escrevo este artigo, Chris acaba de retornar de uma viagem de três meses pela Tailândia e Bubu passa uma temporada estudando e ensinando permacultura na França - os dois encaram a permanência na Palestina como uma obrigação moral: “Imagina como os israelenses ficariam felizes se todos os palestinos resolvessem se mudar para outro país e eles ficassem com toda a terra?”, provoca Chris.
Desde a metade de 2013, os dois mantêm funcionando o Hostel in Ramallah como forma de atrair turistas para a Cisjordânia e conscientizá-los a respeito da causa palestina.
Ocupando três andares de um antigo edifício no centro de Ramallah, o hostel não tem funcionários e só permanece em atividade graças aos voluntários que aceitam trocar seu trabalho por hospedagem e alimentação.
Além do Hostel in Ramallah, Chris e Bubu também deram início a uma fazenda orgânica no vilarejo de Bil’in.
Desde abril de 2016, a iniciativa não só é uma fonte de alimentos saudáveis para seus hóspedes, mas também uma forma de resistência contra a ocupação israelense.
Bil’in
Bil’in é um vilarejo localizado a quinze quilômetros de Ramallah, a capital administrativa da Palestina. Diversos assentamentos israelenses foram construídos na região.
Os muros que separavam as colônias invadiam uma imensa área palestina. Após a violenta repressão aos protestos árabes, a própria corte de Israel determinou o deslocamento do muro. Mesmo depois do recuo, a terra não foi totalmente devolvida.
Desde então, a população de Bil’in promove manifestações contra os assentamentos todas as sextas-feiras (o dia santo dos muçulmanos), iniciativa que se mantém mesmo após 13 anos sem qualquer solução para o problema.
Resistência orgânica
Para tomar as terras dos palestinos e construir os assentamentos, o exército israelense se vale das mais diversas leis que ainda são válidas na região, sejam elas oriundas da Palestina, de Israel, da Jordânia, do mandato britânico ou mesmo da época do Império Turco-Otomano.
Uma das mais utilizadas é a que diz que Israel tem o direito de tomar as terras que estão inutilizadas por grande período de tempo - mesmo que a falta de produtividade seja por conta dos verdadeiros donos da terra estarem, há décadas, refugiados e impedidos de retornar.
É aí que entra a fazenda orgânica de Chris e Bubu: sua manutenção garante a produtividade da terra e impede - ou, ao menos, retarda - a perda do território para Israel.
Além disso, é uma maneira de produzir o próprio alimento, algo fundamental na resistência contra a colonização. Muitas vezes impedidos de desenvolver a atividade industrial, os palestinos são obrigados a consumir produtos israelenses. Com a fazenda orgânica, aumentam as possibilidades de boicote a Israel.
Chris e Bubu já receberam uma ordem de demolição por parte do exército israelense mas, enquanto isso não acontece, eles persistem nas atividades. Não só isso: a ideia agora é transformá-la em uma escola de agricultura para a população local, para que a proposta seja expandida para outras regiões.
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Fundador do Trip Voluntária e autor do livro "Africanamente: o que vivi e aprendi como voluntário na África". O propósito de vida? Incentivar o intercâmbio de voluntariado como forma de promover tolerância, respeito e autoconhecimento. Encurtar distâncias, aproximar pessoas e celebrar encontros. Mergulhar em outras culturas e superar as fronteiras do desconhecido. Quebrar estereótipos para construir um mundo mais humano. Aqui, diferenças fazem a diferença.