Dando vida ao meu projeto de empoderamento feminino na Índia

Como minha vontade de sair da zona de conforto e melhorar o mundo se transformou em um projeto para ajudar mulheres e seus filhos em situação de vulnerabilidade na Índia.

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Carla e uma das mulheres que ajudou em seu projeto

Eu era estilista no Brasil, trabalhei por seis anos no mercado de moda e tinha um emprego em uma marca bem estabelecida de São Paulo. Em 2014 eu comecei a pensar que gostaria de fazer algo além de tudo isso. 

Me mudei para a Califórnia para aprender a falar inglês e pensar sobre o que eu gostaria de fazer, após um ano lá cheguei à ideia de criar um projeto social onde fossem desenvolvidos acessórios a partir de materiais reutilizados, feitos por mulheres em situação vulnerável.

Decidi começar na Índia. Eu nunca tinha ido pra lá, não tinha amigos, nada. Foi justamente toda essa falta óbvia de conexão que me fez ir pra lá: se eu começasse um projeto assim no Brasil, todo mundo ia "mostrar o caminho" que eu deveria seguir. Eu queria começar da forma mais empática possível, sendo também uma pessoa vulnerável, em um lugar onde ninguém saberia quem eu era, onde trabalhei, o que estudei.

Eu cheguei na Índia em novembro de 2015, comecei a perguntar nas ruas sobre mulheres precisando de ajuda. Eu soube de uma mulher, o nome dela é Farida, me disseram que ela morava em um barraco em uma selva, com quatro filhos que ela criava sozinha.



A Farida foi a primeira mulher no projeto. Eu me mudei pra casa dela por algumas semanas para identificar quais eram os maiores desafios que ela tinha e não sabia como me explicar... Ela trabalhava 18 horas por dia, tinha muitos empréstimos no banco, não conseguia arcar com três refeições ao dia para sua família na temporada de chuva, além de morar em uma casa sem saneamento básico, água encanada ou banheiro.

A Farida hoje em dia é a diretora do Project Três na Índia. Em quase um ano no projeto, nós conseguimos tirá-la do emprego que ela tinha (ela é babá profissional e trabalhava com isso em um cassino à noite cuidando dos filhos das pessoas que iam jogar), ajudamos ela a iniciar o próprio negócio como babá profissional, conseguimos uma pessoa para cobrir os custos escolares dos filhos dela (isso em 2016, para 2017 não conseguimos cobrir esses custos) e construímos um banheiro na casa dela. Cada passo de uma vez, estamos mudando a realidade dela.

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Em junho do ano passado eu fui convidada por uma ONG de Nova Déli chamada Make Love Not Scars para desenvolver uma parceria com eles, ensinando sobreviventes de ataques de ácido a fazer colares de materiais reciclados.

Eu morei três meses em Nova Déli, com as sobreviventes, e hoje temos três artesãs que foram vítimas de ataques de ácido e não conseguiam encontrar novas oportunidades de emprego. Os nomes delas são Mamta, Basanti e Sapna.



Temos também a Lalita, que tem 23 anos e foi abandonada pelo marido com os dois filhos (Veda de 3 anos e Chetan de 9 meses). A Lalita chegou no projeto em dezembro de 2016, com uma infecção super grave, vivendo em um barraco, com acesso apenas à uma refeição diária e com um dos filhos sofrendo de desnutrição.

Hoje em dia ela é a responsável pelo setor de bordados e acabamentos do projeto, mora em uma casa alugada, está saudável e consegue se alimentar adequadamente, assim como seus dois filhos. A Veda começou a ir pra escola esse ano e o projeto arca com todos os custos da educação dela.



Em fevereiro de 2017 sua mãe Enkubai também ingressou no projeto e deixou o trabalho como catadora de lixo, no qual ela trabalhava 12 horas por dia no sol e recebia em torno de 15 reais pela sua jornada.

Tivemos por último um grupo de 12 mulheres ingressando no projeto: Rupa, Muskan, Sharmila, Gangu, Manojdevi, Laxmi, Priti, Snea, Pramila, Rajesri, Bhageshwari e Pryatama. Elas vieram nos procurar pois precisavam de oportunidades de trabalho mas não as encontravam, além da maioria dos maridos não as deixarem trabalhar fora de casa.



Elas possuem habilidades de corte e costura, crochê, bordado manual, dentre outras técnicas, e quando ingressaram no projeto iniciamos o desenvolvimento de novos produtos, como bolsas, mochilas, capas de almofadas e quimonos, além de atendermos marcas que gostariam de produzir artigos de moda com a estética indiana que não fossem feitos com mão de obra escrava (problema muito comum na Índia).

Hoje temos no total 20 mulheres sendo beneficiadas pelo projeto. Nosso objetivo é sermos cada vez mais sustentáveis por meio da venda dos nossos produtos e do fornecimento de produtos/serviços a marcas com preocupação social e ambiental.



Em setembro do ano passado, o Project Três e eu demos mais um passo: iniciamos uma parceria com a ONG Hai África, fundada pela brasileira Mariana Fischer em Nairóbi, no Quênia, que atende crianças de 3 a 7 anos, provendo educação humanizada e alimentação saudável para 37 crianças na comunidade Kabíria.

Meu encontro com a Mariana foi mais uma dessas histórias de nômade digital: há quase dois anos eu já estava realizando o Project na Índia e me deparei com alguma informação sobre o Hai no Facebook. Imediatamente me conectei, mandei uma mensagem pra Mari dizendo “nós precisamos ser amigas!” e foi dito e feito.

Como nós duas fazemos trabalhos relativamente semelhantes, a conexão é algo que veio de outra dimensão, posso dizer. A gente se falava por mensagens, dava força uma pra outra em momentos de dificuldades e dúvidas, celebrávamos aprendizados e coisas boas.

Um dia, depois de alguns meses dessa amizade virtual, a Mari me falou que estava enfrentando dificuldades no Nairóbi, que todo o trabalho que ela estava desenvolvendo com as crianças sobre amor, empatia e superação de traumas não estava tendo a esperada continuidade na casa de cada uma delas, já que quase todas sofriam violência doméstica, majoritariamente porque as mães (em sua grande maioria solteiras) não possuíam dinheiro suficiente pra comprar comida, gerando o choro das crianças e o descontrole das mães.

Eu primeiro sugeri que ela tentasse fazer algo com as mães, encontrar alguma atividade para empregá-las, ver se tinham habilidades.

A Mari não tinha experiência com adultos, muito menos com mulheres vindo de realidades tão perturbadoras quanto estupro, constante violência doméstica e muitos outros casos. Foi aí que a gente teve a imediata ideia de levar o Project Três para o Hai África e fazer uma parceria onde eu iria viver por alguns meses no Quênia, trabalhar com as mães, aprender sobre os tipos de produtos que poderíamos desenvolver por lá e criar produtos e habilidades com aproximadamente 20 mulheres dessa comunidade.

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Em setembro de 2017 fui para o Quênia e aprendi muito. Aprendi algumas palavras em Swahilli, a língua local, aprendi que a fome e a falta de água, em pleno 2017, ainda matam milhares de pessoas, aprendi novas técnicas manuais para poder então ensinar às mulheres no projeto, aprendi que unir forças com pessoas e organizações que tenham o mesmo propósito, sonho e determinação que você não é um sinal de abrir mão de fazer algo “seu”, mas sim de se identificar e pertencer à ainda mais causas.

Temos atualmente Millicent, Lucy, Mary, Violet, Teresia, Linda, Mwanaidd, Juliette, Shanialle, Aisha e Fanice tendo a oportunidade de trabalhar mensalmente com a gente, além de algumas novas participantes que ainda não conheci pessoalmente.

No momento, estou trabalhando pra dar mais um novo passo que envolve muito apoio de todo mundo que se identifica com o nosso trabalho. Estamos realizando uma campanha de financiamento coletivo para arrecadar fundos para criar nosso primeiro Centro de Empoderamento, Desenvolvimento e Abrigo de Mulheres em Goa, na Índia.

Esse espaço vai servir como nosso local de trabalho, mas também como uma incubadora de tudo e qualquer sonho que cada uma das nossas mulheres possam ter. Aprender novas habilidades, começar a compostar, receber tratamentos como terapia ou tratamento dentário, ter a possibilidade de um abrigo para aquelas enfrentando qualquer tipo de abuso sem um lugar seguro para ir.

Nossa campanha está no ar até o dia 26 de agosto e temos como meta arrecadar pelo menos R$ 15.000 para arcar com, aproximadamente, um terço de tudo o que precisamos pagar nesse momento inicial.

Assistam o vídeo da campanha, contribuam, compartilhem.

É muito importante nesse momento que as pessoas tomem uma atitude, doem e nos ajude a fazer esse sonho, que parece um pouco doido, como todos os outros que eu citei aqui em cima, se tornar realidade.



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