Que tal viver ou voluntariar numa comunidade sustentável? As ecovilas no Brasil e no mundo vêm chamando cada vez mais atenção, mas ainda existe muita mistificação em torno do conceito e do seu funcionamento.
Especialmente por sua popularização ser ligada ao movimento de comunidades alternativas pós-década de 60, o senso-comum sobre esse modo de organização varia desde a ideia de hippies veganos vivendo nus e isolados da sociedade a seitas ufológicas secretas.
No entanto, as ecovilas nada mais são do que comunidades em sua maioria rurais (hoje em dia, considera-se também o modelo de ecovilas urbanas) que se organizam em torno de um objetivo comum. Elas buscam fomentar um estilo de vida cooperativo e de baixo impacto ambiental, apoiado nos quatro pilares da sustentabilidade: ecologia, sociedade, economia e cultura.
Se você se identifica com as viagens conscientes que a Worldpackers defende e busca uma vida com propósito, provavelmente já ficou curioso para saber como seria conhecer, fazer um voluntariado ou até mesmo viver numa ecovila. E nós entendemos a importância de se viver uma experiência como essa!
Para o sucesso da sua empreitada é fundamental estar ciente de todo o processo, desde como escolher o projeto a encontrar a melhor opção para suas necessidades, além de se prevenir para as oportunidades e ciladas que podem surgir durante o percurso. É por isso que, neste artigo, você encontrará tudo que precisa saber sobre Ecovilas no Brasil.
De acordo com o GEN (Global Ecovillage Network, ou Rede Global de Ecovilas, em tradução livre), as ecovilas podem ser definidas como comunidades que, como propósito comum, ajudam a implementar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU e os Acordos Climáticos em nível local.
E já que estamos falando sobre algo tão amplo, é importante ter a consciência de que cada ecovila é como uma semente, que se desenvolve de acordo com o meio em que está localizada e com as condições do grupo.
Sendo assim, é sempre bom lembrar que as ecovilas não são um projeto finalizado, mas sim experiências em contínuo desenvolvimento, com soluções sempre sendo testadas, modificadas e implementadas, visando atender melhor aos propósitos de cada comunidade e seu entorno.
Em outras palavras, as ecovilas são mais do que iniciativas nas quais se valoriza a ecologia. Elas são comunidades autônomas intencionais- ou seja, que partem de uma reunião proposital de pessoas. E se organizam buscando implementar sistemas sustentáveis completos, que envolvam os quatro pilares já mencionados, a partir de diretrizes decididas coletivamente pelos seus participantes.
Normalmente, essa trama entre ecologia, economia, cultura e trabalho social vai sendo fortalecida aos poucos, conforme progride o desenvolvimento de cada comunidade.
Dentro desses sistemas, escolas de contraturno, creches, centros holísticos, participação ou promoção de feiras livres e cursos abertos à comunidade são algumas das formas mais comuns que as comunidades encontram para fazer seu trabalho. No entanto, cada ecovila busca as soluções dentro de sua capacidade de organização e não existe um único jeito de fazer as coisas.
É importante mencionar que existem inúmeros modos de organização social que praticam estilos de vida comunitários e de baixo impacto e não são e nem pretendem ser ecovilas. Como exemplo, é possível citar, no Brasil, o caso das terras indígenas, que estão ligadas historicamente à origem e à preservação da cultura e organização dos povos originários.
Há também o caso dos assentamentos rurais, que lutam pelo cumprimento da função social das propriedades, conforme determinado pela Constituição. Cada um desses exemplos carrega infinitas particularidades em suas formas de organização, e não nos aprofundaremos neles aqui.
Mais dicas para quem quer fazer voluntariado numa ecovila no Brasil:
Existem algumas maneiras de se fundar uma ecovila. Uma das mais tradicionais é feita com a reunião de um grupo de pessoas que partilham do mesmo propósito e se estabelece através da compra de um terreno. Além da ecologia, esses propósitos podem transitar por diversas áreas, como educação, espiritualidade, política, misticismo, arte, promoção de saúde, entre outros.
A divisão é feita através de cotas, ou seja, os “pedaços” do terreno onde cada um construirá sua casa.
Depois disso, é necessário elaborar o projeto da ecovila, planejando o uso do terreno, abrindo estrutura para captação e distribuição de água, instalação de energia elétrica, manutenção das vias de acesso, construção das primeiras casas e implantação das hortas ou sistemas agroflorestais.
“A gente já tinha um grupo formado, mas não tínhamos a intenção de ser uma ecovila. Esse termo, inclusive, veio muito depois. A ideia inicial era sair da cidade, da vida louca, e estar mais perto da terra, produzir nosso próprio alimento, então esse foi o objetivo. O surgimento da ecovila foi mais um transbordar: as coisas foram acontecendo e levando a gente por esse caminho”, conta Bel Novaes, uma das fundadoras da ecovila.
Algumas propriedades, como o SitiOm, já têm a casa construída, o que poupa um grande trabalho, podendo servir de casa coletiva durante a implementação das estruturas mais complexas. Naturalmente, esse trabalho costuma demandar bastante tempo e exigir muita dedicação dos participantes.
Para essa experiência, existem diversas ecovilas que estão ainda construindo ou ampliando sua estrutura com vagas abertas no Worldpackers! É uma oportunidade excelente para aprender colocando a mão na massa e acompanhando de perto as conquistas, imprevistos e soluções encontradas para os vários desafios que aparecem durante uma construção coletiva.
Essas vagas costumam ser ótimas para quem gosta de uma pegada mais roots. E se você tem o sonho de construir sua ecovila algum dia, a experiência certamente será de um valor gigantesco. A seguir, confira algumas delas para se inspirar.
Experiências de voluntariado em ecovilas no Brasil:
A essa altura, você pode estar se perguntando: “tá, mas com tanta gente junta, não rolam brigas e desentendimentos?” E a resposta é a única possível: é claro que sim.
É por isso que cada comunidade irá testar sua “cola” conforme os trabalhos avançam. A “cola” é como se costuma chamar a compatibilidade entre as pessoas: é hora de ver se os sonhos estão alinhados, se o grupo trabalha bem quando está junto, se existe respeito e escuta mútua, se as regras não estão folgadas ou duras demais e se as diretrizes norteadoras do projeto ainda fazem sentido com o propósito do grupo.
Também é importante lembrar que essas diretrizes não seguem um padrão determinado. Existem ecovilas que se dedicam totalmente à agricultura e ao reflorestamento, enquanto outras fazem um trabalho mais voltado à espiritualidade, promovendo retiros e cerimônias, ou ao social, promovendo cursos, oficinas, vivências, festas ou participando de lutas no campo político.
Olhando por essa perspectiva, se torna muito simples compreender de onde vem o espírito de partilha das ecovilas e aquele imaginário de pessoas que buscam viver em harmonia. Você literalmente pode encontrar pessoas que correm ao seu lado para realizar um sonho, e isso custa muito - são muitos anos de trabalho conjunto e aprendizado. Dessa forma, o afeto se torna uma mais do que palavra: é uma prática fortíssima nesse contexto.
Por causa dessa organicidade, é comum que a configuração dos grupos se transforme ao longo do tempo, com a entrada e saída de novos participantes. É um espaço vivo, gerido e idealizado por pessoas e, por isso mesmo, aberto a transformações profundas.
Embora seja um local voltado para a vivência comunitária, onde todos tendem a ter espaço para colocar suas ideias e sugestões, os grupos não propõem necessariamente uma organização horizontal. E, quando o propõem, isso não significa que isso sempre será assim - a menos, é claro, que esse seja um valor inegociável para o grupo. Isso também varia de ecovila para ecovila.
O GEN conta com um diretório específico para a América Latina - a rede CASA (Conselho de Assentamentos Sustentáveis da América Latina), no qual são cadastradas atualmente 36 ecovilas no Brasil. Mas também existe no Brasil, desde 1978, a ABRASCA (Associação Brasileiras de Comunidades Autossustentáveis), que conta com cerca de 300 ecovilas mapeadas no país.
A entidade é pioneira na organização de ecovilas, tendo surgido na década de 70, enquanto organizações europeias e estadunidenses se estabeleceram, respectivamente, nas décadas de 80 e 90. No entanto, ela não possui site ou canais de comunicação digitais.
De acordo com o portal Irradiando Luz, “essa é uma estratégia de um movimento que aparentemente é pautado pela visão utópica de resgate da comunidade ancestral e isolamento da sociedade centrada no mercado, visão essa que prevalecia no movimento alternativo ou da Nova Era das décadas de 1960 e 1970, e que ainda resiste e possui representatividade no contexto brasileiro”.
Importante mencionar que uma ecovila não precisa necessariamente estar ligada a uma organização nacional ou internacional, portanto, o número de ecovilas no Brasil é incerto e potencialmente maior que o estimado.
A ABRASCA foi criada como uma forma de possibilitar a comunicação entre ecovilas, editando boletins e facilitando a troca de sementes, saberes e experiências. Um dos eventos mais conhecidos promovidos pela ABRASCA é o ENCA (Encontro Nacional de Comunidades Alternativas), que acontece anualmente em comunidades associadas. Eles dão preferência às que precisem de mão-de-obra para sua fase de estruturação, e o evento é todo organizado com contribuições voluntárias.
Confira mais opções de voluntariado em ecovilas no Brasil:
Se você não quer fundar uma organização desse tipo, também existem meios de morar numa ecovila no Brasil ou em outros países se juntando a uma já estruturada. E como em todos os outros tópicos abordados neste texto, não existe uma norma que se aplique a todos os casos.
No entanto, uma coisa é certa: a tal "cola" será sempre o ponto mais importante de qualquer convivência nesse meio, porque é onde você encontrará os acordos que influenciarão diretamente no seu dia a dia.
Alguns relatos de experiência se referem ao processo de admissão como uma união amorosa: flerte (quando a pessoa interessada está buscando por ecovilas compatíveis com seus valores), namoro (a pessoa passa a visitar a ecovila com certa frequência, participando de atividades pontuais), noivado (a pessoa começa a passar períodos maiores no local e assumir pequenas responsabilidades) e casamento (quando ocorre a mudança de casa e, eventualmente, a compra da cota ou construção da casa).
De acordo com Bel Novaes, do SitiOm, o mais importante é compreender se a pessoa está genuinamente interessada em construir o projeto junto. Segundo ela, é muito difícil que alguém que não demonstre interesse pelas funções coletivas siga junto do grupo, uma vez que é justamente esse ponto que liga os moradores da ecovila: o propósito de construir um local com determinadas frentes de atuação.
Com os programas de voluntariado, a construção de uma relação se torna mais natural, o que amplia a possibilidade de encontrar ecovilas que estejam dispostas a receber novos membros e alinhadas com sua busca. Além disso, ao longo de um voluntariado é possívelconhecer o cotidiano da ecovila de pertinho e sentir se as intenções estão alinhadas, tanto do voluntário quanto dos anfitriões.
Mais algumas vagas de voluntariado em ecovilas pela Worldpackers:
Acho importantíssimo mencionar que o voluntariado não é um meio, e sim uma experiência completa por si só. A riqueza do voluntariado está justamente na qualidade temporária, que possibilita a diversificação de experiências, a partilha, as amizades e os momentos vividos. Fazer voluntariado é uma experiência profunda de conhecimento das pessoas, da natureza e de si mesmo.
Pesquise bem os hábitos e acordos do local antes de se candidatar
Pesquisar sobre a ecovila e tirar todas as suas dúvidas antes de ir é sempre uma ótima ideia para evitar situações desconfortáveis.
Por exemplo, algumas ecovilas não aceitam consumo de bebidas alcoólicas ou de qualquer alimentação de origem animal por parte de seus moradores e hóspedes. Já outras têm entre seus pilares de trabalho a produção artesanal de laticínios - se você é vegano, por exemplo, pode se sentir desconfortável num lugar assim.
É possível encontrar, também, em ecovilas com diretrizes voltadas à espiritualidade, propostas de imersão que incluem o celibato, inclusive para os voluntários. No entanto, outras ecovilas no Brasil não possuem quaisquer restrições.
Reflita se aquela ecovila é adequada ao que você procura
Tome cuidado com conclusões precipitadas. É comum que, tomados pelo ânimo para conhecer uma ecovila, os candidatos idealizem o local e não se atentem a pontos importantes que balizam a convivência do grupo, indo parar num lugar que não se alinha aos seus valores pessoais.
Conhecer os objetivos da comunidade antes de iniciar uma experiência é muito simples: basta se atentar aos depoimentos de quem já esteve por lá e conversar atentamente com seus anfitriões, sem medo de dizer não ou reconhecer quando algo não parece adequado para o que você procura.
Pode ter certeza de que a decisão de não participar de um determinado voluntariado não será levada com maus olhos e, procurando um pouquinho mais, você encontrará algo que seja compatível com aquilo que busca.
Respeite o lugar, seus moradores e outros voluntários
Saiba que você está indo para a casa de outras pessoas. Não é apenas um espaço de passagem, mas um lugar em que cada um ali investiu e investe parte significativa de suas vidas. Sendo assim, respeite o espaço e o tempo de cada um e seja cuidadoso no trato, pois nem sempre todos estão em clima de festa! A vida ali é tão real como em qualquer outro lugar.
Aproveite a experiência com alegria e disposição
Mas, mesmo assim, dentro de uma ecovila, você viverá experiências intensas, de muito aprendizado, festa, confraternização e também recolhimento. Cada cafezinho no final da tarde se transforma em histórias inteiras! Sendo assim, desprenda-se do excesso de bagagem, material e imaterial. Assim você abre espaço para novas experiências que irá viver e pessoas que irá encontrar.
Você está indo para um lugar novo, provavelmente diferente de tudo o que já viveu antes, e terá muito a aprender e ensinar. Ocupe esse espaço com alegria e disposição e boa viagem!
Agora que você sabe tudo sobre ecovilas no Brasil, é hora de ponderar se esse tipo de experiência é para você. Tentei reunir aqui as informações principais, mesmo o assunto sendo um universo amplo! Se você sentiu falta de algo, deixe sua sugestão aqui nos comentários, para podermos aprofundar numa outra oportunidade.
Gostaria de deixar meu agradecimento a Bel Novaes, que me recebeu tão bem no SitiOm, e aceitou compartilhar um pouco de sua experiência para enriquecer ainda mais este conteúdo.
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Depois que conheceu o escotismo, Thaís Grootveld não quis mais sair do mato, ainda que às vezes more na metrópole. Notável fazedora de café com canela, taróloga, artista-educadora, leonina e filha da Cidinha, que a inspirou a namorar por amor e estudar por idealismo.